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quarta-feira, 22 de setembro de 2010

No andar de cima

Sobre o balcão da cozinha
Amaram-se
Todos os vidros do balcão
Quebraram-se
Grãos e macarrão e farinha
Libertaram-se
Vizinhos de madrugada despertos
Espantaram-se

Finda a noite
Amantes, balcão, vidros, vizinhos
Calaram-se

A luz do dia queria silêncio
Para ouvir os pássaros


Leo Wilczek

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Dimentica

Foto: Leo Wilczek


Come dimenticare? Se ogni giorno ti svegli (assente) al mio fianco?


(Como esquecer? Se a cada dia você acorda (ausente) a meu lado?)


Leo Wilczek
Tradução para o italiano: Agnese Brasca (grazie!!!)


sábado, 11 de setembro de 2010

Minha vida



A minha vida é um oceano.
Ninguém que nele molhe somente a ponta dos pés
Saberá dos segredos imersos, ocultos na água.

Não é uma poça d'água, rasa, evidente, imediata
Que se permita vislumbrar por inteiro num relance
E se esgote em dois minutos sob o sol.

É a superfície calma o que ilude:
São tão poucos os que se arriscam em explorar o fundo
Sequer mergulhar a mão até o pulso, talvez o braço.
Serão neste mundo duas, quiçá três pessoas
A conhecer de fato algo mais que três palmos além do óbvio.

Reviram-se no fundo seres feios, puros, imundos e belos
Luminobscuros, singelameaçadores, rapidolentos
Imagens dúbias, complementares, completas, antagônicas
Antíteses do que é oposto, o contrário do inverso
Criaturas em foco incerto encobertas por areias do tempoceano
Sons de música distante ecoada submersa em água infinda.

(Palavras derretidas)

É azul. Paz.
Porém tantos insistirão em ouvir o motor do barcomundo
Se recusarão a desligar a máquina, usar remo ou vela
Jamais ouvirão o silêncio tatuado no braço d'água
Não saberão da guitarra do insano gato de Alice.

Mas não existe lamento.
É vida viva em corpo vivo
Mente viva em olho vivo
Vivacidade submersa
Em água viva em carne viva

O oceano existe por si
Profundo, vivo, multiface
Ainda que alheias navegantes
Iludidas pela falsa tediosa superfície
Jamais molhem seus cabelos fartos n'água.



(Leo Wilczek)

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Canção do talvez




Ainda volto a te ver
(pode ser que não).

Ainda cravo meus dentes
Em teus lábios (quem sabe)
E molho teus dentes
Com minha saliva e meu ódio.

Vou te odiar (é possível).
Tenho certeza que ainda
Em um dia de sol vou te odiar
E deixar de sonhar tua volta (improvável).

Ainda vou te tocar
Sentir os teus vãos e teus rios
(talvez nunca mais)
E lamber em meus dedos teu gosto
E riscar com as unhas tua nuca (hoje não).

Pode ser que jamais
(quem sabe amanhã)
Eu te encontre despida
E sinta em meu peito teus seios
E veja em teus olhos o fim
(quem sabe? Talvez o começo).

Ainda vou ver o dia
(é provável que não)
Em que eu toque teus pés outra vez
No ponto exato em que os calos
Se tornam o arco da planta dos pés
E minha mão se refresque no frio da sola
E meu rosto se amanse macio na coxa
E meus lábios se percam, minha boca em teu ventre.

Nunca mais vou te ver
(quem sabe amanhã).
Quem sabe te encontro
(nunca mais vou te ver).



(Leo Wilczek)





quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Perguntas para Neruda


Foto: Leo Wilczek

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Surgirá das pupilas algum hálito
Quando sorrirem os olhos?

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Ficará cego o coração
Vendo tanta luz ao sair pela boca?

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Qual será o sabor
Do cheiro que os olhos ouvem?

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Será o compasso que fez o mundo
O espacate da bailarina?

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(Leo Wilczek)