A minha vida é um oceano.
Ninguém que nele molhe somente a ponta dos pés
Saberá dos segredos imersos, ocultos na água.
Não é uma poça d'água, rasa, evidente, imediata
Que se permita vislumbrar por inteiro num relance
E se esgote em dois minutos sob o sol.
É a superfície calma o que ilude:
São tão poucos os que se arriscam em explorar o fundo
Sequer mergulhar a mão até o pulso, talvez o braço.
Serão neste mundo duas, quiçá três pessoas
A conhecer de fato algo mais que três palmos além do óbvio.
Reviram-se no fundo seres feios, puros, imundos e belos
Luminobscuros, singelameaçadores, rapidolentos
Imagens dúbias, complementares, completas, antagônicas
Antíteses do que é oposto, o contrário do inverso
Criaturas em foco incerto encobertas por areias do tempoceano
Sons de música distante ecoada submersa em água infinda.
(Palavras derretidas)
É azul. Paz.
Porém tantos insistirão em ouvir o motor do barcomundo
Se recusarão a desligar a máquina, usar remo ou vela
Jamais ouvirão o silêncio tatuado no braço d'água
Não saberão da guitarra do insano gato de Alice.
Mas não existe lamento.
É vida viva em corpo vivo
Mente viva em olho vivo
Vivacidade submersa
Em água viva em carne viva
O oceano existe por si
Profundo, vivo, multiface
Ainda que alheias navegantes
Iludidas pela falsa tediosa superfície
Jamais molhem seus cabelos fartos n'água.
(Leo Wilczek)